TRÊS
ELEMENTOS PARA VER: RELÂMPAGO, RAIO E TROVÃO
03 de
agosto de 2025
No evento
de um temporal três elementos chegam nessa ordem: relâmpago, raio e trovão. O
relâmpago, reflexo repentino da luz no ar, vem com a explosão do raio cortando o céu. O raio, instantâneo
e invasivo, é seguido pelo trovão, ruído que vem caminhando pelo ambiente.
O relâmpago nos alerta: “vem algo vindo aí”. O raio explode e assusta. “Esse foi
forte”. Com a aproximação do trovão confirmamos: “tempestade chegando”. Pois lá vem
ela de novo nesta madrugada/manhã no estado dos eventos extremos, como
previram os serviços de previsão meteorológica tão importantes para nossa
terrinha dramaticamente castigada pelo ciclo climático.
Estamos
sem internet a cabo. Escrevo no word, que não depende dela, e pesquiso pelo celular, servido pelas antenas do mundo. Uma mensagem de alguém desconhecido me
chega pelo messenger. Um relâmpago da memória fez-me lembrar da convenção da RBS na serra em
1991, citada por ele, que estava lá. Eu estava lá, parte da equipe como comentarista de economia da empresa. Vale muito a lembrança que a mensagem
despertou.
Estava na
moda uma tal de “reengenharia” das organizações. Sei. Era uma das novidades dos
anos 1990, quando o mundo encerrava a Guerra Fria que se seguiu à II Grande Guerra, e entrava a pleno na era da internet, no mundo digital. Caminhávamos
numa trilha do bosque do hotel da convenção Eunice Jacques e eu. Outros se
dividiam entre vários esportes nas quadras montadas por ali, fora do bosque. Delícia
de oportunidade conversar com Eunice sem nenhum compromisso além de viver a
convenção. Oportunidade que não tínhamos nos dias de trabalho normal. Convenções
são isso, apresentar um planejamento colocando em contato todos os participantes, promovendo encontros não-programados.
Demos com
um local meio isolado, preparado para os que quisessem arriscar um lançamento no
arco-e-flecha. Arrisquei. O instrutor me orientou no passo-a-passo. Segui à
risca suas orientações. Esportista respeita esportista. Lancei. Olhou-me e fez uma única pergunta
“você já tinha lançado?” Não, nunca. E seguimos conversando, Eunice e eu, para o salão de
convenções do hotel. Hora da grande reunião.
No meio
das animadas interações, entra no salão o instrutor sacudindo uma folha na mão
“com licença, vim mostrar o que aquela moça acertou”. E colou no painel a folha do tiro ao alvo por arco-e-flecha. Um buraco ao centro. Na
mosca. Surpresa. “Sorte de principiante”, eu disse. E segue a reunião.
Mas para
Eunice não foi.
Ali na
convenção senti que a tal de “reengenharia” estaria mudando algo essencial que
havia me levado à RBS: o jornalismo como ele era. Veio-me à mente a trilha do “these
are not my people”, um rock dos meus anos 1960. Hora de mudar. Deu. Foi maravilhoso enquanto durou. Mudar para valer é algo que se sente maduro na chamada
“crise dos 50”. Filhos criados, realização
profissional, o novo mundo chamando para novas experiências. Afinal, terminava o
período militar e o mundo vivia sem o fatídico Muro de Berlim. Tínhamos no país uma
nova constituição.
Saí da
RBS, e era a hora também de sair da Universidade. Sair pelo mundo. A oportunidade chegou ao
final do ano seguinte, com o chamado para a política. Quando foi noticiado que
eu era a nova Ministra do Planejamento do governo Itamar Franco, o vice-presidente que assumiu em 1992 com o impeachment de Collor, Eunice
escreveu a crônica na Zero Hora sobre o chamado e minha aceitação para o cargo.
O país vivia uma crise política com as denúncias de corrupção, e uma violenta
crise econômica com a volta da hiperinflação. Era preciso ousadia para
enfrentar o desafio pós-Zélia... Afinal, estabilização só se consegue com a
confiança da população no governo. Respeitando a caderneta de poupança. Era preciso gerar confiança de que sim, o Presidente Itamar queria terminar com a inflação de verdade. E ela foi criada com o Plano Real. do governo Itamar Franco, sob comando de FHC e equipe.
Eunice, hoje dando seu nome a praça na Rua Fernando Osório no bairro Petrópolis, era ligada à cultura, com vários livros publicados, como Um Duende na Calçada. Ela tinha visto o relâmpago que iluminou o lançamento da flecha naquela trilha da serra. Escreveu
sobre isso. Vou atrás da página na ZH que guardei em recorte de jornal.
Eunice morreu em 1997, quando a digitalização não era ainda uma rotina nem havia arquivos na nuvem. Não
achei a crônica nem pelo Google nem por IA. Aos arquivos pessoais então. Valeu, Eunice. Quem tiver, favor mandar.
Yeda, querida, todo jornalista carrega em si um pouco das histórias que já contou em suas reportagens, análises, comentários, pois é delas que somos feitos. E para uma, entre tantas, vir à memória por meio de mensagem inesperada de alguém com quem compartilhamos um bom momento, leva o tempo de um relâmpago. Momento esse que te fez lembrar de uma colega de profissão diferenciada. Eunice Jacques. Linda homenagem em tempos de “jornalistas” que se apresentam durante o exercício da profissão, e em público, com ênfase excessiva na aparência e no entretenimento, em detrimento da seriedade e rigor que se espera do jornalismo. Parabéns!
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