NOTAS: ROTEIRO PARA UMA VIAGEM NO TEMPO

"Uma breve história da inteligência: evolução, IA e os cinco avanços que nosso cérebro fez". Max S. Bennett. Rio de Janeiro : Alta Cult, 2024. (Edição do Kindle em português).

8 DE NOVEMBRO DE 2025

Em livro Max S. Bennett em 2022 propõe criar um roteiro de viagem no tempo sobre nós mesmos. É sobre a história da inteligência humana. Bennett é um bem-sucedido economista e fundador de importante empresa, a Bluecore, que produz soluções de IA – Inteligência Artificial. Produzo aqui um conjunto de notas, um fio, com a seleção de frases editadas por mim do Capítulo 1: Introdução. Espero despertar assim a curiosidade para que o leiam. Aos interessados em IA, afirmo que vale a pena.

A IA e seus usos têm sido o assunto da hora. Nada mais atual, como o uso na educação de celulares e do ChatGPT; o massivo volume de golpes praticados pela internet utilizando IA; as fakenews; etc.. A IA, criada pelos mesmos que têm feito coisas espetaculares como naves espaciais, busca copiar em máquinas a criatividade dos humanos, o que sentem, mas falha. Ainda não se criou nada parecido com Rosey, o robô doméstico dos Jetsons. Bennett foi atrás de entender isso, e produziu este livro especial, ligando de modo leve IA e Neurociência.

Bennett sentia falta de entender por que a IA continua incapaz de produzir soluções que resolvam questões práticas que até crianças resolvem com facilidade - como lavar a louça. Ou de ter sentimentos, o que acontece apenas nas ficções científicas. Para ele, ainda falta entender como o cérebro humano funciona de verdade. O livro conta uma história, e a coloca na Introdução que resumo a seguir.

UM FIO do que Bennett propõe:

1.     Foi no outono de 1962 que previmos o futuro.  Nas telas recém-coloridas das televisões estreou a série Os Jetsons, um desenho animado sobre uma família vivendo 100 anos no futuro. Os Jetsons previram corretamente chamadas de vídeo, TVs de tela plana, celulares, impressão em 3D, robô doméstico, tecnologias que eram impensáveis em 1962, mas onipresentes em 2022. No entanto, ainda não temos nada como Rosey, o robô dos Jetsons.


                                                                Figura 1: Os Jetsons

2.      A primeira empresa que vier a criar um robô que possa simplesmente abastecer uma lava-louças terá um produto com sucesso imediato. Todas as tentativas de fazer isso falharam. Não é um problema mecânico, é intelectual: a capacidade de identificar objetos na pia, pegá-los adequadamente e colocá-los sem quebrar nada, provou ser muito mais difícil do que se pensava.

3.      É claro que, embora ainda não tenhamos Rosey, o progresso no campo da inteligência artificial (IA) desde 1962 foi notável. Nos últimos anos, novos avanços em grandes modelos de linguagem estão permitindo que produtos como o ChatGPT*, lançado no outono de 2022, seja capaz de passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil com uma pontuação melhor que 90% dos advogados. Ou que médicos possam realizar cirurgias em pacientes a muitos quilômetros de distância, por vídeo.

4.      Na década de 1960, o pioneiro da IA, Marvin Minsky, declarou que “de três a oito anos teremos uma máquina com a inteligência geral de um ser humano mediano”. Isso não aconteceu: o GPT-4 não consegue registrar os aspectos essenciais da inteligência humana . Por que a IA pode esmagar qualquer ser humano no planeta em um jogo de xadrez, mas não consegue abastecer uma lava-louças melhor do que uma criança de 6 anos? Porque ainda não entendemos o que tentamos recriar. Não são perguntas sobre a IA, mas sobre a natureza da própria inteligência humana, como ela funciona, por que funciona de tal maneira, e como ela surgiu.

5.      Sugestão da Natureza: Os cientistas têm investigado como o cérebro funciona há milênios e ainda não temos respostas satisfatórias. Quando a humanidade quis entender o voo, nossa primeira inspiração veio dos pássaros; quando Benjamin Franklin buscou explorar a eletricidade, suas primeiras faíscas de compreensão vieram da luz. Ao longo da história da inovação humana, a natureza tem sido um guia maravilhoso. O problema é a complexidade. O cérebro humano contém 86 bilhões de neurônios e mais de 100 trilhões de conexões. Cada uma dessas conexões é tão minúscula, com menos de 30 nanômetros de largura, que mal pode ser vista nos microscópios mais poderosos. Essas conexões são agrupadas em um emaranhado em um único milímetro cúbico (a largura de uma única letra em um centavo). Há mais de um bilhão de conexões.

6.      Mas o grande número de conexões é apenas um aspecto do que torna o cérebro complexo. Mesmo se mapearmos a conexão de cada neurônio, ainda estaremos longe de entender como o cérebro funciona. Ao contrário das conexões elétricas no computador, onde todos os fios se comunicam usando o mesmo sinal (elétrons), em cada conexão neural centenas de substâncias químicas diferentes são passadas, cada uma com efeitos completamente diferentes. O pior de tudo é que essas conexões estão em constante mudança, com alguns neurônios se ramificando e formando novas conexões, enquanto outros se retraem e removem as antigas. Ao todo, isso torna a engenharia reversa de como o cérebro funciona uma tarefa gigantesca.

7.      Estudar o cérebro é tentador e irritante. Um centímetro atrás dos olhos fica a maravilha mais inspiradora do Universo. Ele abriga os segredos da natureza da inteligência, da construção da inteligência artificial humana, do porquê nós, humanos, pensamos e nos comportamos de tal modo. Talvez o cérebro humano não seja a melhor pista da natureza. O melhor lugar para começar pode ser em fósseis empoeirados nas profundezas da crosta terrestre, em genes microscópicos escondidos em células por todo o reino animal, e no cérebro de muitos outros animais que povoam nosso planeta. Em outras palavras, a resposta pode não estar no presente, mas nos vestígios ocultos há muito tempo.

8.      O Museu Perdido do Cérebro: Os seres humanos voam em naves espaciais, dividem átomos, editam genes. Nenhum outro animal sequer inventou a roda, invenção que mudou o mundo. O mais impressionante quando examinamos o cérebro de outros animais é a notável semelhança com o nosso. A diferença entre o nosso cérebro e o cérebro de um chimpanzé, além do tamanho, é ínfima. O cérebro de um peixe tem quase todas as mesmas estruturas do nosso cérebro. O cérebro surgiu do processo caótico e impensado da evolução: pequenas variações aleatórias nos traços eram selecionadas ou suprimidas segundo o suporte que davam à reprodução da forma de vida.

9.      Na evolução, os sistemas começam simples e a complexidade surge apenas ao longo do tempo. O primeiro cérebro, a primeira coleção de neurônios na cabeça de um animal, apareceu 600 milhões de anos atrás em um verme do tamanho de um grão de arroz. Esse verme** LUCA foi o antepassado de todos os animais modernos dotados de cérebro. Uma linhagem apenas dos descendentes desse antigo verme originou o cérebro em nossas cabeças. Como entender? O biólogo Theodosius Dobzhansky disse: “Nada na biologia faz sentido, exceto à luz da evolução.”

10.  Até Darwin sonhou reconstruir tal história. Ele termina o livro A Origem das Espécies fantasiando sobre um futuro quando “a psicologia terá uma nova base, a da aquisição necessária de cada poder mental e da capacidade por gradação.” Cento e cinquenta anos após Darwin, finalmente isso pode ser possível. Graças aos avanços da neurociência neste milênio.

11.  Embora não tenhamos máquinas do tempo podemos, a princípio, fazer viagens no tempo. Na última década, neurocientistas evolucionários fizeram um progresso incrível na reconstrução do cérebro de nossos antepassados. Uma maneira de fazer isso é com o registro fóssil: os cientistas podem usar os crânios fossilizados de criaturas antigas para reverter a engenharia da estrutura de seu cérebro. Outra maneira de reconstruir o cérebro de nossos antepassados é também pesquisando o funcionamento do cérebro de outros animais no reino animal.

12.  Cada cérebro é uma cápsula do tempo cheia de dicas ocultas dos trilhões de mentes que vieram antes. Examinando os feitos intelectuais que esses outros animais compartilham ou não, começamos não apenas a reconstruir o cérebro de nossos antepassados, mas também a determinar quais habilidades intelectuais esse cérebro antigo lhes proporcionou.  

13.  O Mito das Camadas: Nos anos 1960 o neurocientista Paul MacLean levantou a hipótese de que o cérebro humano era feito de três camadas, uma sobre a outra: o neocórtex, que evoluiu mais recentemente, sobre o sistema límbico, que evoluiu antes, sobre o cérebro reptiliano, que evoluiu primeiro. Argumentava que o cérebro reptiliano era o centro de nossos instintos básicos de sobrevivência, como agressão e territorialidade. O sistema límbico era supostamente o centro das emoções, como medo, apego parental, desejo sexual e fome. E o neocórtex era o centro da cognição, presenteando-nos com linguagem, abstração, planejamento e percepção. A hipótese do Cérebro Trino de MacLean foi desacreditada porque leva a conclusões erradas sobre como o cérebro evoluiu e funciona. Precisamos compreender como a inteligência funciona. O físico Richard Feynman deixou o seguinte em um quadro-negro pouco antes de sua morte: “O que eu não posso criar, não entendo.”  O cérebro é a nossa inspiração orientadora para como construir a IA, e a IA é o nosso teste decisivo de quão bem entendemos o cérebro. Precisamos de uma nova história evolutiva do cérebro, uma engenharia reversa moderna da inteligência em si.

14.  Os Cinco Avanços: Temos muita história evolutiva para cobrir — 4 bilhões de anos. Ela pode ser resumida como a culminação de apenas cinco avanços, começando desde os primeiros cérebros e indo até o cérebro humano. Esses avanços sempre surgiram de períodos em que nossos antepassados enfrentaram situações extremas ou ficaram presos em poderosos ciclos de feedback. Não podemos entender os avanços na evolução do cérebro sem também entendermos os problemas e os triunfos de nossos ancestrais: os predadores que eles enganaram, as calamidades ambientais que sofreram, e os nichos desesperados que procuraram para sobreviver.

15.  Eu, Max S. Bennett: Gostaria de dizer que escrevi este livro porque queria ler este livro. Passei a maior parte da minha carreira em uma empresa que ajudei a fundar, chamada Bluecore, criando sistemas de software e IA para ajudar algumas das maiores marcas do mundo a personalizar seu marketing.  As equipes de negócios procuram aplicações de novos sistemas de IA que seriam valiosas, mas apenas as equipes de aprendizado de máquina entendem quais aplicações seriam viáveis. As pessoas do aprendizado de máquina explicam à equipe de negócios porque a ideia que parece simples é, na verdade, astronomicamente difícil. E esses debates vão e voltam a cada novo projeto. Foi a partir de investigações sobre o quanto poderíamos estender os sistemas modernos de IA e os lugares incríveis onde eles falham que desenvolvi minha curiosidade original sobre o cérebro. Por que nos comportamos de tal modo? Por que muitas vezes fazemos escolhas irracionais e autodestrutivas? Por que nossa espécie tem um histórico recorrente de altruísmo inspirador e crueldade incomensurável? (Obs: sobre isso eu, YRC, coloquei uma de minhas experiências de governadora na crônica de 29 de outubro: A Formação de Um Ser Integral.)

16.  A tentativa de ler livros para responder minhas, Bennett, próprias perguntas acabou se transformando em longas correspondências por e-mails com neurocientistas generosos o suficiente para saciar a curiosidade de um estranho. Elas acabaram me levando a publicar vários trabalhos de pesquisa, culminando na decisão de dar um tempo no trabalho e transformar essas ideias em livro. A origem deste livro, como a origem do próprio cérebro, não veio de um planejamento prévio, mas de um processo caótico de falsos começos e caminhos equivocados, de acaso, repetição e sorte.

17.  Uma Observação Final (Sobre Degraus e Chauvinismo): O livro inteiro é apenas a história da linhagem humana, de como é nosso cérebro. Pode-se facilmente criar uma história de como é o cérebro do polvo ou da abelha, com suas próprias idas e vindas, seus próprios avanços. A ideia de que existe uma hierarquia das espécies está muito errada. Todas as espécies vivas hoje estão bem vivas. Seus antepassados sobreviveram aos últimos 3,5 bilhões de anos de evolução. Mas nenhuma é “melhor”. Aos olhos da evolução, a hierarquia tem apenas dois degraus: em um, há aqueles que sobreviveram, e no outro, aqueles que não.

18.  Meu apelo: há coisas que nos tornam únicos como seres humanos. Espero que possamos iniciar uma história centrada no ser humano, sem entrar no chauvinismo humano. Há uma história igualmente válida a ser contada para qualquer outro animal, de abelhas a papagaios e polvos, com os quais compartilhamos nosso planeta. Este livro conta a história de apenas uma dessas inteligências: a nossa história.

* Chatbot desenvolvido pela OpenAI lançado em novembro de 2022. O nome combina “Chat”, referindo-se à funcionalidade de chatbot, e “GPT”, que significa “Generative Pre-trained Transformer”, um tipo de modelo de linguagem.

**É chamado de LUCA – Last Universal Common Ancestor. A inclusão desse nome, mais as modificações feitas a partir do texto original de Bennett, editando-o nestas notas, são de minha inteira responsabilidade. YRC.  

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