SEGREDO, LIBERDADE E ÉTICA

(SÉRIE SEGREDOS (2))

11 DE SETEMBRO DE 2025

Há fatos que mudaram o mundo, como o acontecido neste dia de 2001. Dois aviões derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York (Figura 1) em ato terrorista planejado e praticado em segredo que passou despercebido pela inteligência policial americana. Liberdades valiosas foram preteridas em nome da segurança, como resposta às ações terroristas. Ficou a pergunta de puderam manter em segredo a meticulosa preparação de tal ato, escapando de informações tão acessíveis aos órgãos de segurança.


                                                      Figura 1: Ataque às Torres Gêmeas

   


                                                        Figura 2: Tradição Oral

Há segredos e segredos. Em 1991, quando se formava a União Europeia, fui apresentar na Hungria artigo sobre Indicadores Antecedentes (Nota 3) em congresso internacional (CIRET), aprendendo sobre uma experiência reveladora de como guardar segredos em movimentos de resistência política. No uso da tradição oral é preciso saber manter e transmitir segredos, o que é uma habilidade pouco praticada nos dias atuais (Nota 2). No período em que a liberdade de opinião era punida com prisão e morte, não podiam publicar nada ou marcar reuniões. Mas publicavam e se reuniam, graças a guradar o segredo. Hora e local para reunião eram segredo repassado ao pé de ouvido, a informação tinha que ser exata, as palavras idênticas, (Figura 2), caso contrário colocava-se em perigo os membros da resistência. Essa cultura tem um nome: tradição oral. Foi como eles sobreviveram ao totalitarismo.

Segredo é algo que pode ser revelado seguindo regras de um código de ética. Ou nunca. A psicanálise é a rainha dos segredos, que deveriam ficar no consultório. Nem sempre fica, mas é a regra profissional dos psiquiatras chamados para depor num processo sobre seu paciente: segredo de consultório. Assim é para os padres, como é o famoso Padre Brown dos seriados, que honram o segredo do confessionário. Cabe à pessoa, depositária do segredo, decidir sobre a revelação e o compartilhamento com outro(s).

Se é sobre algo público, manter segredo deve seguir um código de ética, uma lei. Por exemplo, segredos de guerra usualmente em democracias são registrados e muito bem guardados por um prazo definido em lei de sigilo. Hoje, no Brasil sigilo é ficção, e o que tem sido decidido como “sigilo legal” ou "segredo de justiça" por aqui é algo inqualificável. Fere qualquer código de ética.

Para além da questão de ética moral ou pofissional, cabe citar aqui fato recente que tem a ver com segredos revelados, neste caso por investigação policial, sobre o “crime da mala da Rodoviária de Porto Alegre”. Pergunta-se como o sistema de justiça deixou solto um monstro que já havia cometido crime hediondo antes. O segredo do assassino da mala vai sendo revelado pela Polícia Civil, mostrando que algo precisa ser mudado no sistema penal, já que não era segredo o que praticara ou podia praticar. Ele havia matado e cimentado a própria mãe em 2013. Condenado então a 28 anos de prisão em 2015, foi solto após 8 anos porque em 2023 laudos psicossociais atestaram que podia viver em liberdade. Não podia (Nota 1). Mais uma vez a Polícia revelou tudo o que o crime encobria, mas o sistema de Justiça falhou. 

O fato relevante do dia hoje é outra revelação de um segredo mantido na nossa Suprema Corte. Para além da lembrança das Torres Gêmeas, do congresso de estatística, do escabroso caso da mala da Rodoviária, e dos decretos colocando em sigilo o que é direito de cidadania, uma revelação em direção contrária foi dada em voto proferido o Ministro do STF Luiz Fux: a Ação Penal 668 não seguiu o devido processo penal contra os do chamado “golpe de 8 de janeiro”. O segredo foi revelado. O país respira aliviado, afinal cada qual ainda pode decidir de acordo com sua ética. Ou pela falta dela.

NOTA 1: Correio do Povo( 050925): A morte de Vilma Jardim, então com 76 anos, foi descoberta no final de maio de 2015. Ricardo Jardim, seu filho, então com 56 anos, confessou ter cometido o crime à Polícia Civil. A localização de Vilma só foi possível a partir do registro do sumiço pela filha dela. Meses antes, em dezembro de 2014, o pai de Ricardo Jardim morreu e deixou uma herança de R$ 400 mil. Jardim revelou como escondeu o corpo da mãe.

NOTA 2: Comunicação: habilidade para transmitir as coisas. A tradição oral é um elemento fundamental da cultura de diversos povos, transmitido de geração em geração por meio de histórias, mitos, lendas, canções e outros relatos. É uma forma de preservar a identidade e os valores de uma comunidade. A oralidade é uma atitude diante da realidade, mais que uma habilidade e desconcerta o historiador contemporâneo – imerso em tão grande número de evidências escritas – pelo simples fato de bastar à compreensão a repetição dos mesmos dados em diversas mensagens. As tradições requerem um retorno contínuo à fonte. Origina-se do primórdio dos tempos, quando ainda não havia a escrita e os materiais que pudessem manter e circular os registros históricos.

NOTA 3:Previsão econômica: em 1979 eu coordenava a Sondagem Conjuntural da Indústria, pesquisa trimestral do IEPE/UFRGS, que gerava indicadores antecedentes aos movimentos da economia. Coletava as expectativas diretamente dos empresários sobre o futuro: o que haviam feito e o que fariam na empresa no próximo trimestre (empregar e investir) e o que esperavam do mundo externo (inflação e crescimento do PIB) que influenciaria na sua atividade. Respondia quem queria. Muitos respondiam sempre. Recebiam o resultado, ainda em publicações a mimeógrafo. Confiavam no IEPE. Afirmei que a inflação passaria dos 100% naquele ano. A previsão foi capa dos jornais locais. Foi a 100,1%. A pesquisa passou a ser interessante para o jornalismo econômico. 

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