OS ANOS
LOUCOS: UM
ROTEIRO (FINAL)
Julho de
2025
Michelangelo,
quando perguntado sobre como havia criado a escultura de David (1504), obra prima por excelência do período do Renascimento,
respondeu que não havia criado nada. O que tinha feito foi soprar a
gigantesca pedra de mármore e revelar o que já estava lá. Coisa de gênio. De
tempos em tempos se diz que algo novo "foi criado", mas se pode
afirmar que já existia, e que só reaparece em nova embalagem.
Serve para entender o que acontece nos nossos dias, porque parece que o mundo vai acabar de tantas as loucuras que são cometidas "em nome de". O que vivemos hoje, na década de 2020, tem muita semelhança com outros anos 20, os da década de 1920, chamados de Anos Loucos. O fato é a aparente loucura hoje salta no mundo. Aprendemos numa época semelhante já vivida no passado, a dos Anos Loucos. A natureza semelhante entre as duas décadas de séculos diferentes ajuda-nos a entender o momento e buscar a saída para o imbloglio atual.
Sigo um roteiro para compor os elementos que vão me permitir escrever um livro de crônicas. A cada fato do presente selecionado, vou adicionar com o aprendizado do passado que pode levar a um
futuro possível.
I -
Antecedentes: o que é já foi, em outra embalagem.
Vivemos um
momento de desordem. Mas vida é movimento. Vida é ciclo. Existem ciclos de uma
vez só, como a dos seres vivos, ou que se repetem várias vezes, como os ciclos
de negócios, climáticos, bioquímicos, menstruais. Ciclos tem várias naturezas e
diversas durações. Exemplos:
CICLO CIRCADIANO
Parênteses: Datas são importantes, e algumas merecem ser comemoradas. Uma delas é 1983. Dois dos
maiores economistas que influenciaram o mundo herdado das Revoluções
Industriais e das Grandes Guerras foram John Maynard Keynes e Joseph A. Schumpeter.
Entenderam o espírito do capitalismo, a incerteza e a dinâmica econômica dos
ciclos, a política. Entre eles há uma coincidência histórica. Schumpeter nasceu
em 1883, no mesmo ano de nascimento de Keynes e da morte de Marx.
Pois um século depois nós, professores da Economia da UFRGS, decidimos celebrar
essa coincidência da data realizando a disruptiva Semana Marx-Keynes no
IEPE/UFRGS. Ainda sob o regime militar, não se falava livremente nem sobre
Marx, nem sobre a defesa do liberalismo. Durante a semana colocamos Porto
Alegre no radar da liberdade de falar dos dois, trazendo os maiores
especialistas do país nessas áreas, e com a apresentação dos trabalhos da nossa equipe e de
alunos. Causamos. Fecho o parênteses.
Deles
seleciono dois conceitos importantes em Economia.
A destruição
criativa, ou destruição criadora, é o conceito que, já presente
em Marx foi popularizado pelo austríaco Joseph Schumpeter em seu
livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, publicado nos Estados Unidos
em 1942. "Esse processo de
destruição criativa é o fato essencial do capitalismo" (Joseph
A. Schumpeter). Já o Espírito Animal (em inglês, animal spirits) é o
conceito que John Maynard Keynes usou em seu livro de 1936 The General Theory of
Employment, Interest and Money (1936)
para descrever emoções que influenciam o comportamento humano. "
(...) uma grande
proporção de nossas atividades positivas depende mais de otimismo espontâneo
(...) e só podem ser tomadas por resultado de um impulso espontâneo para a
ação, ao invés da inação, e não como consequência de uma pensada média de
benefícios multiplicada pelas probabilidades quantitativas."
Somo a eles um autor estudioso dos ciclos longos, o economista russo Nikolai Kondratiev (1892/1938). Ciclos longos são formados por períodos que levam de 40 a 60 anos, e explicados como parte das revoluções tecnológicas que marcam com intensidade o mundo capitalista, ocasionando ondas de crescimento e de crises. Ciclos longos levaram da ascensão à queda das eras comandadas pelas máquinas à vapor (1790-1850), pelas ferrovias (1850-1896), pela eletricidade e pelos automóveis (1896-1930). Hoje vivemos o ciclo da revolução tecnológica comandada pelo computador, pelas redes: a Era Digital.
1.1 - Nos anos 1920 grandes fluxos de imigração
voltaram-se à nova Terra Prometida, à nova potência, os Estados
Unidos. Seus Fundadores haviam escrito em Carta Constitucional (1787) as
bases para uma duradoura democracia, baseada na defesa da liberdade e do livre
mercado, apesar da existência à época da escravidão e de uma sangrenta
Guerra Civil em curso. Essa constituição vigora até hoje, dando rumo e identidade à
nação americana. No mundo todo a esperança de uma paz duradoura trazida pelo acordo que deu fim à guerra, e a onda de liberdades trazidas pela sociedade industrial e de
consumo do século XX, movimentos artísticos modernistas se multiplicaram a
partir da Europa depois da I Grande Guerra (1914/1918) e da Gripe Espanhola,
ambas com seus milhões de mortos. Todos queriam viver, e muitos intensamente, de
modo novo. Durou pouco.
Isso porque o tratado de paz apressado e mal costurado que
colocou fim à I Guerra (Tratado de Versailles, criação da Liga das Nações -
1919) estava produzindo um caldo de rancor que alimentou o que viria depois: os extremismos. Estes
conduziram à II Grande Guerra (1939/45), com seus milhões de mortos. O uso de
nova arma, a atômica, acendeu a consciência de que a humanidade poderia pôr um fim
a si própria.
Terminada a guerra, em 1945, uma nova ordem mundial se impôs com a Conferência de Yalta, a criação da ONU (Organização das Nações Unidas), a assinatura dos acordos de Bretton Woods (1944), e a formação de dois grandes blocos de países líderes, Estados Unidos e Rússia/União Soviética. O bloco ocidental assentou-se na defesa da liberdade e do livre comércio; o bloco soviético agregou os países comunistas, de planejamento estatal central. A um terceiro bloco, formado por "países do Terceiro Mundo" como o Brasil, periféricos no mundo industrializado, restou crescer a partir de um desenvolvimento dependente do padrão.
A estabilidade e o crescimento global foram freados quando, nos anos 1970, somaram-se ao fim do padrão-ouro (1971) no governo Nixon os choques do petróleo de 1973 e 1979. O valor do dólar, atrelado ao do petróleo, escalou. Os países endividados em dólar começaram a quebrar sequencialmente, sofrendo com a hiperinflação. Já os países socialistas (URSS) não acompanharam o crescimento da produtividade dos países de livre-mercado, nem sua Revolução Industrial, gerando uma crise interna no bloco. O edifício construído por Bretton Woods na divisão do mundo da Guerra Fria, simbolizada pelo Muro de Berlim, acabou ruindo.
Estava
posta a necessidade de um novo acordo global. Esse veio com a formação da União
Europeia, moldando a nova fase de crescimento do ciclo mundial dos anos 1990.
1.2 - A virada
para o ano 2000 veio carregada de esperanças de um mundo melhor, sintetizada
pela Agenda da ONU para o novo milênio como guia para a cooperação mundial. Mas
por pouco tempo. Com a derrubada das Torres Gêmeas de Nova York em 2001
rompeu-se a era das liberdades, trocadas por segurança. No horizonte, a possiblidade de uma nova guerra, já com a ameaça nuclear. Na economia, com o estouro
da "bolha imobiliária" de 2008 acendeu-se a luz para o perigo de uma
nova Depressão Econômica. Tendo aprendido com aquela de 1929, e com os conselhos dos economistas, os países
evitaram uma crise maior fabricando dinheiro. Na tecnologia que define os ciclos longos, e já conectadas
pelas novas tecnologias digitais, multidões organizadas espontaneamente pelas redes
sociais passaram a se juntar nas praças clamando por liberdade, pelo fim
de longas ditaduras, e pela aversão à corrupção. Era a Primavera Árabe. Operações como a Mãos
Limpas (anos 1990 na Itália) e a Lava-Jato (2014/21 no Brasil) derrubaram
governos corruptos. Tudo parecia conduzir-nos a um "novo normal". Só
que não.
II - O
presente: o mundo universalmente conectado do século XXI.
Os anos
2020: apanhados em 2020 pela pandemia do coronavírus com seus milhões de mortos, os
países fecharam as suas fronteiras que tinham sido abertas no período de
globalização dos anos 1990. Terminada a pandemia em 2022, reabrem-se as
fronteiras e reafirma-se a cultura do consumo e explosão das artes. Como há um século atrás. Fluxos de
migração voltam-se para a Europa unificada, a renascida Terra Prometida. A
mesma década dos 20, dois séculos, a mesma humanidade dividida entre o novo e o
que havia sido por séculos, repetindo os
movimentos inexoráveis do ciclo.
Dos 4 bilhões de anos de existência da vida na Terra, estamos nela como Sapiens Sapiens há 10 mil anos apenas quando, desde o fim da última Era Glacial, recebemos um tépido planeta que gerou as condições da vida que temos, com a maravilhosa diversidade de que a vida é feita. Continuamos a avançar aceleradamente na ciência e na tecnologia (C&T). Mas o ritmo de desenvolvimento nessas áreas parece não considerar que um avanço infinito não é possível num planeta de recursos finitos. Temos usado esses recursos sem cuidar da sua eficiência, retirando deles mais do que podemos colocar em troca. Só que crescer sem limites é insustentável. A crise climática é inevitável, somando-se aos humores que levam às guerras que aceleram o é o invitável, mas previsto para só daqui a muitos mihões de anos à frente, como alerta Marcela Gleiser, dentre tantos outros cientistas e pensadores.
São duas faces da mesma moeda: a espécie que cria é a mesma que destrói. Com os pés no chão, vamos aos nossos dias, que registram sequencialmente eventos climáticos extremos. Incêndios incontroláveis e chuvas torrenciais se multiplicam por toda a Terra. Já nos 4 dias de feriado desta Páscoa no Rio Grande do Sul foram registrados 10 feminicídios, todos cometidos pelos ex-companheiros das vítimas, das mais diferentes idades, nas mais diversas situações. E estoura dominando o noticiário mais um roubo bilionário, este praticado contra pensionistas e aposentados do INSS nos últimos anos em "contribuição a associações de defesa dos aposentados e sindicatos da área" de quem o INSS deveria cuidar. O governo lava as mãos.
Olhando para a outra face da moeda, a do meio copo cheio, o telescópio James Webb nos envia
imagens da existência de elementos muito distantes no Universo que ele
percorre, e que são a base para a criação/existência da vida para além dessa
maravilhosa vida na Terra. Ela algum dia pode acabar aqui, mas pode nascer emoutro lugar do Universo. E já entrando em maio, celebrando o lado claro da força (Guerra nas Estrelas) também são lembrados e
homenageados os milhares de voluntários que, vindos de todo canto do Brasil e do mundo, deixando para depois o que faziam em suas vidas, atuaram nas enchentes do ano
passado no RS, que tirou tantas vidas e destruiu parte de nosso estado.
IV - O que
será: o futuro se constrói hoje.
Com os anos loucos da
década de 20 do século passado muitos aproveitaram a oportunidade e aprenderam.
Agora estamos tendo a nossa oportunidade de afastar por ações a repetição dos
erros do passado. Nas crises moldam-se os líderes. São oportunidades para
inovarmos no que podemos fazer para que a força de um não stente se sustentar pela
destruição do seu lado oposto, pois o movimento de destruição acaba com os
dois. Um deles, a vida como a conhecemos, demorou esses milhões de anos para acontecer na esteira dos
movimentos do ciclo. O outro pode acabar com ele num
apertar de botão. Não precisamos antecipar o que o movimento do Universo tende
a fazer nos próximos milhões de anos. Desfrutemos portanto da maravilha que
temos: a vida, agindo.
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