FREUD, O VOTO, E A LICENÇA PARA VIVER

04 de junho de 2022 


A sensação de mal estar na civilização foi carta escrita por Freud (1856/1939) na virada para o século XX, era explicada como o choque entre o indivíduo e a sociedade que ele mesmo cria. Essa mesma sensação é evidente nos tempos atuais. A Europa vê retornar, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, a sombra de guerras acontecidas logo depois do que escreveu Freud, as quais então, junto com as pandemias, mataram milhões de pessoas em todo o mundo. A guerra é uma licença para matar.


                                                            Figura 1: Freud

O nosso mal estar atual é de um tempo de Criptomoeda. Metaverso. Matrix. Ruptura. Realidades paralelas. Inteligência Artificial. Ficção. Tudo muito novo - exceto a banalidade da violência no dizer de Hannah Arendt. Por isso é tão bem vinda a coluna de Fernando Schüller  “A Arte da Vida - O desejo humano: pandemia fez urgente o que era distante” (Veja, 22/05/2022). O que era latente passou a ser urgente. Nada de esperar a aposentadoria: é preciso viver AGORA.

Vamos à História. Nas primeiras décadas do século XX a Revolução Industrial criava novos produtos que mudavam aceleradamente o modo de vida em todo o mundo, das relações de trabalho, às formas de governo, as fronteiras com o nascimento de novos países, uma nova era de globalização. Com ela, veio a sensação de liberdade para mudar, numa mobilidade quase sem fronteiras. Por curto tempo.

A sensação de mal estar chega com a sensação de incomunicabilidade, de solidão, que a nova tecnologia promove. Tive pessoalmente uma experiência, já adulta, com crises de pânico depois de ser assaltada sob a mira de dois revólveres entrando no carro em plena luz do dia. Dirigir era um sofrimento. Logo depois, em viagens para países (EUA e Europa) onde se falava outra língua que eu pensava dominar, ao tentar falar travava, como na apresentação de trabalho sobre indicadores antecedentes na Hungria pós União Soviética, e numa entrevista na Bloomberg de NY. Fui atrás de entender o porque do pânico. Meses de pesquisas, medicamentos, troca de experiências com casos semelhantes, permitiram que eu entendesse - e vencesse essa fase. Encarei a fera nos olhos. Voltei a dirigir  - de modo um pouco diferente. Voltei a viajar - de modo um pouco diferente. Sabendo a causa, cura-se o sintoma.

Sou, por natureza, comunicadora, como professora, atueando em jornais, rádios e TVs, como palestrante, voluntária, parlamentar, governadora. A política, pela via eleitoral, requer a busca de voto no olho-no-olho, lida com emoções, com comunicação. Já conversar com a máquina, e através da máquina, isola, mascara, manipula emoções (Os Engenheiros do Cáos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar as eleições, de Giuliano da Empole, 3.editora, SP, 2019).  

Já neste novo século XXI, com a revolução  da Indústria 4.0 da Era da Internet, o mundo se conectando em rede, a relação pessoa-ambiente muda. Debates, séries em streamings, livros, filmes, tratam do tema da (in)comunicabilidade. Um romance recente, “Código Mãe” da cientista Carole Stivers, trata de ligar maternidade e robôs inteligentes, mexe com o tabu da maternidade.

Junto surgem novas epidemias – e não apenas as sanitárias – como são as de crescimento da violência, dos transtornos sociais, dos extremismos. Tremendo mal estar. Chega a pandemia do coronavírus em 2020. Hospitais lotados. Milhões de mortos, muitos enterrados sem velório. Tudo foi transmitido em tempo real. Impedidas as formas de mobilidade características da nova Era da Globalização, exceto para farmácias e supermercados, aplicou-se a regra do “fique em casa”. Governos passaram a decidir o que pode e o que não pode um cidadão fazer. Cidades em lockdown. Doenças mentais e sociais como epidemias. O cidadão precisa cada vez mais de licença para fazer qualquer coisa. Se não tem a tal licença, é impedido de fazer. Em alguns lugares, criminalizado. Tudo sob licença.  

Na prática do dia-a-dia alguns se assombram com a possibilidade de estarmos sendo vigiados e controlados pelo Grande Irmão de Orwell no seu genial  1984, escrito em 1947 logo depois da II Grande Guerra. Em vários países da Europa destruída pela guerra surgem as sociedades totalitárias - os ismos: fascismo do italiano Benito Mussolini (1883/1945), nazismo do alemão Adolph Hitler (1889/1945), comunismo do russo Joseph Stalin (1878/1953). Os senhores da guerra. Parece que estão voltando. Os ciclos da humanidade. E da desumanidade. A Era dos Extremos. 

Não é o fim do mundo. Ainda. A História não tem fim, é cíclica e só se repete como farsa. Podemos voltar a ter autoridades emissoras da nova licença: a Licença para Viver. Ainda dá tempo.

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