A
SOLIDARIEDADE MANIFESTA (II)
Yeda Rorato
Crusius
19novembro2024
Nas
enchentes de maio no Rio Grande do Sul um monumental movimento de voluntários foi se formando
espontaneamente, com gente vindo de todo o país e do mundo pelas estradas
que restaram, em aviões que chegavam apenas na Base Aérea de Canoas, com o aeroporto de Porto Alegre submerso. O movimento dos voluntários foi se organizando sem contar com governos, gerando para além do resultado
em vidas todo tipo de emoções e sentimentos que funcionam como alimento para o
significado da vida.
As águas de volumes nunca vistos em poucos dias só vieram a baixar totalmente meses depois. Tudo o que a fazia escoar em tempos "normais" deixou de funcionar com os diques inadequados e as bombas dágua submersas. Símbolos foram gerados com as imagens como a do cavalo Caramelo que ficou se equilibrando em pé por 3
dias num telhado (Figura 1), e as do movimento incessante de canoas, jetskis, barcos de todo tipo navegando onde antes eram ruas, buscando resgatar gente e
animais por tudo o que ficou acima do mar de água da enchente.
Figura 1 Figura 2 Figura 3
O desastre sempre vem como um raio. Luz sem som. Depois chega o trovão, um barulho que anda. Do nada, depois, aparece a ação humana. No humano, o desastre deixa cicatrizes, que doem no prenúncio de um novo temporal. Quem passou por isso ficou marcado, e sente. A história nas imagens ficam fixadas no cérebro de quem as viu, formando a memória que é sempre viva. Muito foi registrado do chorar junto. Do abraçar quem chorava. Do abraçar quem não conseguia chorar.
O medo causado
por um trauma se manifesta em comportamentos dos seres vivos
traumatizados, gente ou animal, como foi o caso do cãozinho que, já no colo da
pessoa que o estava resgatando, continuava batendo as patinhas como se nadasse (Figura 3).
Impossível não chorar. Um outro cão se agarrava às
pernas da cuidadora no abrigo, um dentre os muitos abrigos montados rapidamente em shoppings, universidades, clubes para receber os animais. Milhares deles.
É preciso escolher um nome para significar tudo isso. Como em 2000, quando a equipe buscou transmitir o que buscávamos na campanha à prefeitura daquele ano: “Vamos abraçar Porto Alegre”, o abraço como significado. E para as enchentes? O Brasil Paralelo deu o nome ao seu documentário feito por eles, uma identidade à ação dos voluntários na catástrofe de maio: “O Resgate”.
Nomes evocam emoção. Assim sentem os que acompanham o vídeo do cãozinho que batia as patas no colo da resgatista já no bote de salvamento, como se continuasse nadando. Ou ao ver os vídeos do cavalo Caramelo em pé e imóvel sobre o telhado, até o seu resgate. Em tempo real, as emoções sentidas no registro de cada história voltam a cada vez que se revê. Ao dar um nome para as coisas acontecidas assim, quando se pronuncia o nome ressurge a emoção daquele momento. Volta-se a sentir o que o trauma causou.
Agir é um bálsamo para quem pratica a ação. É um bálsamo para quem a recebe. Movimentos espontâneos como o que vivenciamos através do voluntariado darão uma base essencial para se escrever a História, e permitem se acreditar na Humanidade. O que moveu tantas pessoas para levá-las à ação praticada nas enchentes de maio tem um nome: solidariedade. Solidaredade é um amálgama que sustenta a convivência humana. Foi bom ter vivenciado sua concreta existência.
ET: Obras de arte eternizam a emoção que o evento gerou. Em abril foi leiloado o quadro de Caramelo (obra de José Acuña) para ajudar nas ações de resgate. Em dezembro será instalada a escultura em
metal (Figura 2) do barco com pessoas e animais (iniciativa de Renato Malcon e Cezar Prestes, realizada pela Federasul) à qual foi dado o nome de "Heróis Voluntários". Em novembro está sendo feita a instalação de 27 metros no Pontal com figuras (criação de Siron Franco) que atuaram naquele ponto de resgate de maio. Parabéns a todos os envolvidos.
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