A PRAÇA, A TORRE, E A DEMOCRACIA: A REAÇÃO (II)
A PRAÇA, A TORRE, E A DEMOCRACIA (II)
Novembro de 2024
O livro de Augusto de Franco, Como as Democracias Nascem, trata da democracia e sua relação umbilical com as redes, temas em que é especialista (Figura 1). Conheci o trabalho de Augusto de Franco quando, deputada federal, acompanhei Ruth Cardoso quando ela o chamou para presidir o movimento que criou e desenvolveu, o Comunidade Solidária. O Comunidade Solidária, como sabemos, mudou o Brasil nas açõe de combate à pobreza através de políticas sociais das quais todos, e não apenas o governo, participam. Até hoje, as políticas sociais que têm sucesso reconhecem que é necessário colocar a interagir em rede os 3 setores sociais para se ter eficiência no melhorar a vida das pessoas: Governo, Empresa e Organizações Sociais.
Mas vamos ao que interessa: ligar o que aprendemos ontem à nossa história recente.
Acordei numa madrugada de setembro com mais um temporal sacudindo a Porto Alegre das enchentes de maio, com a imagem na cabeça da capa de A Praça e a Torre, de Naill Ferguson, especialista como Augusto em redes e política (Figura 2). A imagem fluía entre outras, naquela dança com que o cérebro nos brinda no início de cada despertar. Aprendi a levantar rápido e escrever, para registrar as impressões do despertar que logo se desfazem. Notícias do dia anterior iam se ligando a memórias estimuladas pela frenética dança dos sonhos. Corri a registrar a imagem do livro neste blog, que havia posto em repouso quando apareceu o Twitter, hoje X. A censura ao X, decidida pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes, gerou bate-boca internacional entre o ministro e Elon Musk, enquanto a censura que permaneceu até terminarem as eleições municipais deste ano.
Quando se censura a democracia como modo de vida esvaziam-se as praças e erguem-se as torres do livro de Naill. Ah, sim: Elon Musk, que comprou o Twitter e tem a rede de satélites que liga pessoas via Interlink, vai ser ministro-secretário de Trump. O mundo dá piruetas...
Muitas das mudanças mais relevantes deste milênio, começaram na década de 2010, quando o chamamento pelas redes sociais como o Face Book gerou movimentos sequenciais que derrubaram ditaduras em vários continentes. Movimentos pacíficos. Acompanhei presencialmente vários deles, como observadora de eleições em vários países, sempre pelo PSDB. Tinha terminado meu mandato de governadora, e tomado a decisão de iniciar um período sabático. Durou 4 anos. Que sabático produtivo!
Cito o primeiro movimento do qual participei. Em 2011, no dia 15 de maio , cheguei na Praça do Sol de Madri. O taxista deixou-me longe, porque o trajeto estava interditado, estava mudado o trânsito, e era impossível chegar de carro no hotel ao lado da praça. Um movimento totalmente inusitado tomava conta da Puerta del Sol. O movimento ganhou o nome de M15 pela data em que jovens tomaram aquela praça por barracas, em plena campanha eleitoral espanhola para formação dos parlamentos. Pediam várias pautas, principalmente a do combate à corrupção. Cheguei naquele dia.
Toda a imprensa marcava presença, aceita apenas como observadora. Para o M15 a imprensa fazia parte de tudo o que ele criticava. Na praça muitas faixas, organização primorosa, sem outro tumulto que não o de ter mudado o centro da capital da Espanha - e toda a pauta do noticiário das tvs. Poder ou não se manifestar naquele acampamento era decisão democrática da organização, que assim chegou à tomada de decisões da própria Suprema Corte naquelas eleições. A rotina era de rodas de conversa, palestras de convidados muito conhecidos, cientistas, ativistas, realizadas ao ar lvre. Nada de lixo espalhado, e todas as regras para o acampamento eram decididas democraticamente, em assembléia, como na Ágora ateniense. Abertamente, com total transparência. Na praça.
O movimento M15 da Puerta del Sol foi se reproduzindo pela Espanha naquele maio, mês das eleições parlamentares. Havia comando, era sim um movimento organizado. Encontrei esses acampamentos em várias cidades por onde passei naquelas 3 semanas. Em Barcelona, a prefeitura tentou desocupar a praça onde deveria ser instalado o telão que transmitiria ao vivo a final da UEFA, taça de futebol que leva multidões aos estádios e a praças por toda a Europa. Só que agora as praças estavam ocupadas por outras multidões, desbancando o futebol do jogo Barcelona versus Manchester United, no Estádio de Wembley, em Londres, naquele 28 de maio. A polícia desocupou a praça central, mas na manhã seguinte ela foi de novo ocupada, e o jogo teve que ser transmitido em outro lugar. No jogo ganhou o Barcelona. Festa em todo o país. Na política, a oposição venceu em muitos lugares. Pacificamente. Afinal, a proposta não era "patriarcal e guerreira", e sim democrática. Os acampamentos permanceram.
A ocupação como ferramenta de protesto se reproduziu como rastrilho pelo mundo, noticiada ao vivo pelas redes de comunicação, em tempo real. Occupy Wall Street veio em setembro de 2011. Tudo havia começado na Tunísia em 2010, quando um estudante se imolou em praça pública gerando uma reação que formou a conhecida Primavera Árabe, resultando em mudanças políticas radicais em países da África, Europa, Américas, Ásia, Américas. Cairam ditaduras de décadas. A comunicação em rede mostrou toda a sua potência no promover mudanças.
O Brasil seguiu a vibe. A partir de 2013 passeatas com multidões de milhares de pessoas, de uma pluralidade única, sempre convocadas pelas redes, passaram a acontecer aqui. Era véspera da Copa do Mundo de futebol de julho de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Brasil, e no embalo a Operação Lava Jato (março de 2014 a fevereiro de 2021). Em julho o Brasil havia perdido para a Alemanha de 7x1, no Mineirão, número que virou símbolo de extremada e vergonhosa derrota. Em outubro de 2014 a presidente Dilma foi reeleita.
Era também a preparação para as Olimpíadas de 2016 (de 3 a 21 de agosto). Foram as gigantescas passeatas, em meio à Lava Jato, com a volta da inflação em plena vigência do Real, uma recessão com taxas de desemprego recordes causadas por políticas econômicas desastradas, um fator essencial para o impeachment da presidente, em 31 de agosto de 2016.
Agora é 2024. Nesses últimos 10 anos a política no Brasil deu piruetas. Um turbilhão de mudanças iniciadas com os movimentos das praças e mega passetas nas ruas fez tudo girar. Hoje é o retorno das guerras. Guerra na Ucrânia e em Israel. Extremos se enfrentam nas eleições em todo o mundo. Pandemia e enchentes. Reeleição de Lula (2022), e de Trump (2024). O que mais... A lista é longa.
Se nos eventos na década dos 2010 foram as manifestações de multidões na praça, chamadas pela revolução tecnológica das redes derrubando ditaduras, nos anos 2020 são os summits e as weeks chamando pequenas multidões para quem o tema da inovação tecnológica da era da Indústria 5.0 interessa, criando o ambiente para o futuro através da interação entre empresas, grupos financeiros, cientistas, imfluencers, curiosos, universidades, jovens e idosos, estudantes, governos, artistas, imprensa, enfim, tudo o que move o mundo e contrata o futuro. O tema Inteligência Artificial domina a cena, levantando apoios e temores, lembrando a era atômica que, nascida para fornecer energia, tranformou-se em bomba de potência jamais vista. Assombra a cena o eterno debate entre liberdade e controle.
Desde 2014 muito tem acontecido de modo a sacudir o mundo. O que era "normal" foi substituído por algo não muito entendido ainda. Publicam-se muitos livros escritos durante a pandemia por gente da nova era. Exemplo: Catástrofe, do mesmo Naill. Livros são um indicador antecedente de que futuro estamos plantando. Até o momento, são mais interrogações que equações.
E segue o barco da eterna mudança por essas correntes turbulentas. Ao leme.
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