PORTUGUÊS É (SIM) UMA LÍNGUA DIFÍCIL
PORTUGUÊS É UMA LÍNGUA DIFÍCIL
Lembrei-me de outros mega-investimentos do passado que foram usados como fonte para o conflito político-ideológico típico do estado. Um foi o projeto para instalação da Ford em Guaíba. Outros foram os projetos do Cais Mauá e do Duplica RS do nosso governo (2007/2010). Quando o governo Britto (1995/1998) anunciou a negociação para a "vinda" para Gravataí de uma montadora de automóveis que - imaginem! - usaria robôs na linha de montagem. A mais moderna do mundo. Uma nave espacial industrial (?). Que guerra! Assim como de carro, todos precisamos ainda mais dos celulares, e é melhor que o necessário para que eles funcionem seja feito perto de nós, por nós. Energia. É do que precisamos, matéria-prima e alimento para os datacenters.
Setembro de 2024
Essa é uma frase de filme. Uma professora de línguas de universidade americana inicia sua aula avisando aos alunos: "Hoje vamos estudar português. Português é uma língua difícil". Os alunos inquietos pedem para ligar a TV. No telão um breaking news, plantão de notícias quando algo urgente interrompe a programação normal. Aparecem imagens ao vivo de naves descendo em vários pontos do país, com o alerta das autoridades sobre algo desconhecido, incomum. A professora vai até a janela e vê uma delas. Todos atendem ao alerta e saem.
O filme é A Chegada. O roteiro é criativo e elaborado, sobre porque ela foi chamada pelos órgãos de segurança do país e o que consegue. Conhecedora de "línguas difíceis", poderia decifrar a linguagem de alienígenas pois a inteligência militar não possuía a expertise necessária para se comunicar com os estranhos seres. Foram chamados ela e um físico para decifrar a linguagem destes. Conseguiram, porque acrescentaram à técnica de cada profissão a empatia, a emoção. É como hoje e sempre: só com ciência e técnica nada se cria. A criação é o nosso universo como ele é, sempre sendo descoberto. O que o cientista descobre já existe, só que não se conhecia. A descoberta passa a ser fabricada pela técnica. C&T. Máquinas. Medicamentos. Tudo o que usamos.
O roteiro mostra o que é frequente no nosso cotidiano. Eventos novos escancaram a imensa dificuldade de comunicação dos humanos entre si. Face a eventos disruptivos, a incomunicabilidade tem sido uma fonte primária de conflitos de toda ordem.
Um fato de hoje ilustra a semelhança entre o tema da ficção do filme, e nosso cotidiano real. Foi assinado um protocolo de intenções entre o governo do estado e uma empresa de data centers, a Scala, para a criação de uma verdadeira "cidade digital", a Scala AI City, em Eldorado do Sul, cidade vizinha de Porto Alegre que foi praticamente destruída pelas enchentes de maio de 2024.
Se antes os dados do mundo digital eram mantidos armazanados em fazendas, agora o seu volume, que cresce exponencialmente, necessita de cidades. É um mega-investimento para produzir a infraestrutura que coloque o necessário de dados para o funcionamento dos aparelhos da era da internet em todo o Cone Sul da nossa América Latina. Da Inteligência Artificial aos celulares e computadores e aos satélites e naves espaciais e máquinas agrícolas. quase tudo o que move o mundo precisa ser armazenado para ser acessado. Para armazenar vivas as informações que permitem a esses aparelhos funcionarem é preciso um mega-datacenter.
Usamos produtos como celulares, dependemos deles, mas poucos escrevem ou falam a língua que os move: a linguagem de computador. Por outro lado, falamos mal nossa própria língua. Os indicadores de qualidade da educação básica no país publicados recentemente indicam que difícil mesmo é aprender a nossa linguagem, o português. Estamos sempre abaixo das metas fixadas anualmente segundo qualquer sistema de avaliação disponível. O mesmo para a matemática, linguagem que é a base do desenvolvimento da tecnologia da nossa era. Cresce a proporção de analfabetos funcionais, num fosso que se aprofunda entre os que sabem muito e os que quase pouco sabem.
A pergunta é: como fazer a comunicação entre um sistema tão avançado como a IA criado pelos homens se eles não conseguem dar educação básica às suas crianças e seus jovens? A quem servirá uma cidade como essa? Analfabetos funcionais, digitais, etários, cresce o fosso entre os que são educados e os que não o são. Quem aprende salta à frente. Inclusive o crime organizado. Dessa desigualdade nasce o conflito.
Lembrei-me de outros mega-investimentos do passado que foram usados como fonte para o conflito político-ideológico típico do estado. Um foi o projeto para instalação da Ford em Guaíba. Outros foram os projetos do Cais Mauá e do Duplica RS do nosso governo (2007/2010). Quando o governo Britto (1995/1998) anunciou a negociação para a "vinda" para Gravataí de uma montadora de automóveis que - imaginem! - usaria robôs na linha de montagem. A mais moderna do mundo. Uma nave espacial industrial (?). Que guerra! Assim como de carro, todos precisamos ainda mais dos celulares, e é melhor que o necessário para que eles funcionem seja feito perto de nós, por nós. Energia. É do que precisamos, matéria-prima e alimento para os datacenters.
O mundo político tende a reagir a novidades desse porte, escancarando esse fosso entre o que um fala e o que o outro entende, entre o quanto um ganha e o que o outro paga. Exemplo é a relação entre o avanço que as redes sociais representam para a livre manifestação das pessoas, e o retrocesso com seu uso pelos criadores de fake news. Por isso, alguns se arvoram de julgadores do que é liberdade de expressão, e o que é crime cibernético. Quem ganha?
A diferença de velocidade entre a criação tecnológica e a adaptação de nossas leis e instituições às mudanças que as inovações trazem não elimina o desafio de enfrentarmos com mais celeridade, através de uma educação básica de qualidade e universal, a realidade do fosso ampliado pela celeridade de desenvolvimento da tecnologia.
Na linguagem de nossos avós, ainda entendida nos dias de hoje, ainda tem muito pano para manga...
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