PORTUGUÊS É (SIM) UMA LÍNGUA DIFÍCIL

Essa é uma frase de filme Uma professora de línguas de universidade americana, ao iniciar uma aula  avisa aos alunos: "Hoje vamos estudar português. Português é uma língua difícil". Logo os alunos passam a olhar nos celulares, e no telão do auditório aparecem as imagens de notícia em breaking news, plantão de notícias, imagens ao vivo de uma nave descendo, e o alerta das autoridades sobre isso. A professora vai até a janela e a vê. O filme é A Chegada, e o roteiro trata de modo agradável, criativo e elaborado, o processo de como ela, chamada pelos órgãos de segurança do país, tenta se comunicar com alienígenas que desciam com suas várias naves em distintos pontos do mundo. 
Para que estavam vindo? Não era para a guerra, logo mostraram, saindo das naves buscando se comunicar. Ela era a especialista para enfrentar a novidade: a língua deles. Mas não bastava só a técnica, era preciso a emoção, a empatia com os estranhos seres. Já vi o filme várias vezes, estimulada por algum fato do dia, pois o roteiro mostra o que é frequente na nossa realidade cotidiana, plena de eventos novos que escancaram a imensa dificuldade de comunicação dos humanos entre eles mesmos face a eventos disruptivos, que assim passam a ser fonte de conflitos de toda ordem. 
O fato de hoje é que foi assinado um protocolo de intenções entre o governo do estado e uma empresa de data centers, a Scala, que deve investir, numa primeira etapa, R$  3 bilhões em investimentos privados na criação de uma verdadeira cidade digital, a Scala AI City, em Eldorado do Sul, cidade vizinha de Porto Alegre que foi praticamente destruída pelas enchentes de maio.  Os investimentos podem ser multiplicados por 40 em alguns anos. Se antes os dados do mundo digital eram mantidos armazanados em fazendas, agora são precisas cidades. 
É um mega-investimento para produzir a infraestrutura que coloque em funcionamento os aparelhos da era da internet em todo o Cone Sul da nossa América Latina, produtos da era da Inteligência Artificial, de celulares e computadores a naves espaciais e máquinas agrícolas. quase tudo o que move o mundo no que há em termos de tecnologia. Para armazenar vivas as informações que permitem a esses aparelhos funcionarem é preciso um mega-datacenter. Usamos produtos como celulares, dependemos deles, mas poucos escrevem ou falam a língua que os move: a linguagem de computador.
Por outro lado, falamos mal nossa própria língura. Os indicadores de qualidade da educação básica no país publicados recentemente indicam que difícil mesmo é aprender a nossa linguagem, o português. Estamos sempre abaixo das metas fixadas anualmente segundo qualquer sistema de avaliação disponível. O mesmo para a matemática, linguagem que é a base do desenvolvimento da tecnologia da nossa era. Cresce a proporção de analfabetos funcionais, num fosso que se aprofunda entre os que sabem muito e os que quase pouco sabem. A pergunta é: como fazer a comunicação entre um sistema tão avançado quanto a IA  criado pelos mesmos homens que não conseguem dar a educação básica de suas crianças e seus jovens?

Lembrei-me de outro mega-investimento do passado, quando o governo Britto (1995/1998) anunciou a negociação para a "vinda" para Gravataí de uma montadora de automóveis que - imaginem! - usaria robôs na linha de montagem. A mais moderna do mundo. Uma nave espacial industrial (?). Que guerra!  O que aprendemos então permitirá que aquele tipo de guerra não se repita. Assim como de carro, todos precisamos ainda mais dos celulares, e é melhor que o necessário para que eles funcionem seja feito perto de nós, por nós. 
O mundo político, como a atual polarização presente em todo o mundo confirma, continuará a reagir a novidades desse porte, escancarando esse fosso entre o que um fala e o que o outro entende, entre o quanto um ganha e o que o outro paga. Exemplo é a relação entre o avanço que as redes sociais representam para a livre manifestação das pessoas, e o retrocesso com seu uso pelos criadores de fake news. Por isso, alguns se arvoram de julgadores do que é liberdade de expressão, e o que é crime cibernético. Quem ganha?
A diferença de velocidade entre a criação tecnológica e a adaptação de nossas leis e instituições às mudanças que as inovações trazem não elimina  - pelo contrário - o desafio de enfrentarmos com mais celeridade, através de uma educação básica de qualidade e universal, a realidade do fosso ampliado pela celeridade de desenvolvimento da tecnologia.
Na linguagem de nossos avós, ainda tem muito pano para manga...
 

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