30 ANOS ESTA NOITE: UM REGISTRO PARA TEMPOS DE MUDANÇA 

 YEDA RORATO CRUSIUS. 

Porto Alegre, 29 de agosto de 2024.

Um título bem dado é capaz de gerar um símbolo clássico. É o caso dos 30 Anos Esta Noite. Louis Malle em 1963 lançou em P&B o filme Le Feu Follet, adaptação do livro de Pierre Drieu La Rochelle traduzido no Brasil como 30 anos Esta Noite (Figura 3). Tornou-se uma marca, tanto que livros e artigos foram publicados com esse título desde então, para marcar algum evento que estivesse completando 30 anos. Por exewmplo, os 30 anos de Real neste 2024 (Figura 2). Outro exemplo: meus 30 anos de Minist´rio Itamar Franco, que promoveu as condições para a criação do Real (Figura 1). Era forte a influência francesa entre nós, da cultura à produção de todas as formas de arte e movimentos sociais, na política e na indústria. O filme foi um sucesso mundial, na esteira da filosofia existencialista que conquistava a nova geração. Os loucos anos 60.



      Figura 1                                         Figura 2                                           Figura 3

Vamos ao título desta crônica. Completei recentemente dois ciclos de vida de 30 anos, um de economista e comunicadora, outro de política com intensa vida partidária. O primeiro foi desde que ingressei na Faculdade de Ciências Econômicas da USP (1963) até 1992, quando, já filiada a partido político desde 1990, decidi pela mudança. Um pouco da história contlo um pouco log mais, e ela está disponível em muitos registros e na memória de cada um, é claro

O segundo foi de 1993, quando assumi o Ministério do Planejamento do Governo Itamar Franco, a 2022, quando decidi pela desfiliação partidária. Fui nesse período candidata em 9 eleições: 5 a deputada federal, 2 a governadora do estado, 2 a prefeita de Porto Alegre. Celebrei em 2023 os 30 anos de posse no ministério e de vida dedicada à política partidária. Os últimos 6 anos foram dedicados especialmente ao PSDB Mulher Nacional, órgão partidário que havia fundado em 1998 junto com líderes como André Franco Montoro, encarando muitos desafios com grandes conquistas. A mais recente foi a conquista dos 30% do fundo partidário em 2018, elegendo 100% mais mulheres pelo partido na Câmara Federal, uma senadora, e mais deputadas estaduais. 

Com uma excelente equipe desenvolvi uma Plataforma Digital com a história do partido, espaço para debates e cursos on line, e-books, aulas. Capacitamos todos os anos milhares de candidatas pelos meios digitais, produzimos as Bandeiras Eleitorais das mulheres do partido, e conduzimos os debates públicos das inovadoras prévias para escolha do nosso candidato a presidente às eleições de 2022. Escolhemos mas não tivemos. Ficamos sem candidato a presidente pela primeira vez desde a nossa fundação em 1988. Mesmo assim produzimos para as eleições de 2022 as Bandeiras Eleitorais das Mulheres Tucanas, uma agenda de compromissos das candidatas, com prioridades políticas, nossa história, jingles, tudo. Está tudo à disposição no site do partido. Em aberta crise, ao final das eleições por pouco não viramos "partido nanico" com redução brutal no número de eleitos.

Vale muito a pena falar um pouco do primeiro período, em que o mundo deu várias voltas, começando com a renúncia de Jânio Quadros, eleito em 1961. Num país ainda sem proteção trabalhista, a crise da renúncia deixou sem emprego meu pai e muitos, o que significava não ter mais como comprar o pão de cada dia. Com 17 anos fui atrás do meu primeiro emprego, o do meu valioso primeiro salário-mínimo. Ainda estudante do ensino médio sem aulas, “passei por decreto”. A lacuna na minha formação sinto até hoje. Discursos inflamados do presidente Jango Goulart, vice que assumiu em 1961, acompanhavam o ambiente da América Latina influenciada pela Revolução Cubana de Castro. Tivemos, de 1961 a 1963, a segunda experiência parlamentarista do Brasil. Que tempos!

Ingressei em 1963 na Economia da USP, no centro de São Paulo, na rua Dr. Vila Nova, ao lado da rua Maria Antônia e sua influente Faculdade de Filosofia, e onde ficava também o Bar sem Nome, lugar onde todos os tipos de batidinhas embalavam nossas madrugadas de boemia e eram criadas músicas para os festivais da época.

Em 1964, Jango foi afastado e tomou o poder um Governo Militar. Muitas instituições que conhecemos hoje foram então criadas pelo Decreto-Lei 200: o Banco Central, o salário-desemprego, a caderneta de poupança, e várias instituições que existem até hoje. Com o todo-poderoso Ministro Delfim Neto, professor da FCE/USP, a profissão de economista ganhou valor.

Nos agitados anos 1960 tem a efervescência cultural, os festivais de música, a guerrilha, os movimentos hippie e black power, a guerra do Vietnã, o assassinato de grandes líderes como Kennedy e Martin Luther King , o homem na lua, e um maio de 1968, com o movimento de estudantes de Paris imediatamente exportado para todo o mundo. Foram fechadas as faculdades da Dr. Vila Nova e da Maria Antônia quando, no movimento dos “estudantes de maio de 1968”, a morte de um deles na Maria Antônia deflagrou o Ato Institucional (AI-5) que fechou o Congresso Nacional e gerou mais uma forte crise política, a dos Anos de Chumbo. Os cursos, como o de pós-graduação que eu cursava, foram transferidos para a ainda inacabada Cidade Universitária, em Pinheiros. Ou seja, nada de aulas e, para muitos, novamente o “passar por decreto”. Ah, sim, fecharam também o Bar Sem Nome e os festivais.

Tempos de mudança. Nós, estudantes de pós-graduação aportamos nas montanhas de Boulder, Colorado, dividindo-nos entre várias universidades americanas. Fomos para Nashville, Tennessee, onde Crusius e eu nos casamos. Chamados para compor a equipe que criou o pós-graduação em Economia da UFRGS, viemos para Porto Alegre em 1970. Aqui plantei raízes, criei família, numa riquíssima vivência profissional como professora da UFRGS e comunicadora em muitos veículos de comunicação. 

De 1993, no meu novo ciclo pessoal, assumi como Ministra nos tempos difíceis de hiperinflação. Vários planos econômicos haviam fracassado da década dos 1980, a “década perdida”. Inflação, recessão, quebra de países endividados. Em 1990 o Plano Collor, numa verdadeira traição contra o povo, congelou os saldos das cadernetas de poupança, que era um universal instrumento de defesa dos que ganhavam menos contra a perda pela inflação. O plano, é claro, fracassou. Mais uma crise econômica e política. Impeachment. Enquanto isso, o fato mundial mais relevante, que foi a queda do Muro de Berlim em 1989 dando  fim à Guerra Fria e abrindo caminho para a construção de um mundo com a formação da União Europeia e o Euro. 

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1988 nasceu o PSDB fundado por grandes líderes. Um de seus fundadores, Mário Covas, foi nosso candidato a presidente em 1989, a primeira eleição para presidente da minha geração. Sonhava-se um mundo de desenvolvimento e paz a ser construído pela via política. Participei do sonho. Vivemos o sonho. Era preciso “voltar às ruas”. Fazer política. Filiada ao PSDB, participei como Ministra, governadora, deputada federal, candidata a prefeita, e vivi intensamente o cotidiano de um partido que comandou a transformação do país com o Real, suas reformas, seus líderes. Como governadora liderei a transformação da realidade deficitária do Rio Grande do Sul, com a melhoria de todos os indicadores sociais e altas taxas de crescimento. Vivemos um período de estabilidade e desenvolvimento (2007/2010) no estado.

No verão tórrido de 2023 busquei o documento da minha filiação partidária, de 2 de abril de 1990. Devo isso ao Deputado Federal Jorge Uequed, de saudosa memória, e por isso sou filiada pela sua Canoas. Valeu, Uequed. Escrevo em 2024 celebrando os 30 anos do Plano Real, conduzido por economistas da PUC do Rio. Celebro na cidade do Rio de Janeiro, no Rio Innovation Week (RIW), com presenças de conferencistas da minha geração, como Fritjof Capra (Tao da Física, de 1975, e O Ponto de Mutação, de 1982), que com seus 85 anos circula pelo mundo debatendo o Novo na Ciência. Marcelo Gleiser (A Simples Beleza do Inesperado, de 2016, e O Despertar do Universo Consciente, de 2024), coordenador de um dos palcos durante a semana. Belo modo de celebrar.

E começo um novo ciclo. O mundo mudou muito. Hora de mudar também. Há imensos desafios saltando à nossa frente, e uma infinidade de oportunidades para uma nova escolha. A ela. Grata à vida por tudo.

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