MINISTÉRIO ITAMAR FRANCO -  30 ANOS ESTA NOITE (II)

 YEDA RORATO CRUSIUS. 

Porto Alegre, 29 de agosto de 2024.


Completos dois ciclos de 30 anos, um como economista, outro de política partidária, hora de registrar. O primeiro foi de 1963, ano que ingressei na Faculdade de Ciências Econômicas da USP, a 1993, ano em que assumi como Ministra do Planejamento do Governo Itamar Franco. O segundo vem desde o ministério, em 1993, passando em seguida por 9 eleições, 4 mandatos de deputada federal, e 1 de governadora, até 2023, encerrando meu último mandato à frente do PSDB-Mulher Nacional.

Em janeiro de 2023 postei a crônica que intitulei 30 Anos Esta Noite, celebrando os 30 anos de posse no ministério, e encerrando o meu site www.yedacrusius.com.br. Completava 30 anos dedicados à política partidária preparando a transição no PSDB Mulher Nacional, que havia fundado com líderes como André Franco Montoro em 1998, e que presidia novamente desde 2017, um período de 6 anos com  grandes conquistas. para as mulheres na política. 

Conquistamos em 2018 os 30 % do fundo partidário, elegendo 100% mais mulheres pelo partido no Congresso Nacional, e mais deputadas estaduais. Nas eleições municipais de 2020, em tempos de pandemia, desenvolvi a Plataforma Digital pela qual mulheres em todo o Brasil puderam se capacitar e fazer campanha pelos meios digitais. Cresceu o número de eleitas. Pela plataforma realizamos em 2021 os debates públicos das inovadoras prévias para escolha do nosso candidato a presidente às eleições de 2022.

Escolhemos, mas não tivemos. Sem candidato a presidente pela primeira vez desde a sua fundação em 1988, em 2022 produzi as Bandeiras Eleitorais das Mulheres Tucanas, uma agenda de compromissos das candidatas com prioridades políticas. Com o partido em crise, tivemos ao final uma redução brutal no número de eleitos.

Um título bem dado é capaz de gerar um símbolo clássico. É o caso dos 30 Anos Esta Noite. Louis Malle, em 1963, lançou em P&B o filme Le Feu Follet, adaptação do livro de Pierre Drieu La Rochelle traduzido no Brasil como 30 anos Esta Noite. Virou uma marca. Era forte a influência francesa entre nós, da cultura à produção de todas as formas de arte e movimentos sociais, na política e na indústria. O filme foi um sucesso mundial, na esteira da filosofia existencialista que conquistava a nova geração.

O ano de 1962 foi agitado no país. Meu pai perdeu o emprego na crise da renúncia de Jânio Quadros. Num país ainda sem proteção trabalhista, isso significava não ter mais como comprar o pão de cada dia. Éramos 6 irmãos e eu, com 17 anos, fui atrás do meu primeiro emprego, meu valioso primeiro salário-mínimo. Estudantes do ensino médio sem aulas, “passamos por decreto”. A lacuna na minha formação sinto até hoje.

Discursos inflamados do presidente Jango Goulart, vice que assumiu depois que o presidente Jânio Quadros fugiu em 1961, acompanhavam o ambiente de toda a América Latina, influenciada pela Revolução Cubana de Castro. Tivemos, de 1961 a 1963, a segunda experiência parlamentarista do Brasil. Que tempos!

Ingressei em 1963 no curso de Economia da USP, no centro de São Paulo, na rua Dr. Vila Nova, ao lado da rua Maria Antônia e sua influente Faculdade de Filosofia. e onde ficava também o Bar sem Nome, lugar onde todos os tipos de batidinhas embalavam nossas madrugadas de boemia, e eram criadas algumas das músicas para os festivais da época.

Em 1964, Jango foi afastado e tomou o poder um Governo Militar, a exemplo do que acontecia em outros países da América Latina. Muitas instituições que conhecemos hoje foram então criadas (Decreto-Lei 200): o Banco Central, o salário-desemprego, a caderneta de poupança, várias instituições, que existem até hoje. Com o todo-poderoso Ministro Delfim Neto, professor da FCE/USP, a profissão de economista ganhou valor.

Na timeline dos agitados anos 1960 tem a efervescência cultural, os festivais de música, a guerrilha, os movimentos hippie e black power, a guerra do Vietnã, o assassinato de grandes líderes como Kennedy e Martin Luther King , o homem na lua, e um maio de 1968, quando o movimento de estudantes de Paris foi imediatamente exportado para todo o mundo. Vivi serem fechadas então as faculdades da Dr. Vila Nova e da Maria Antônia quando, no movimento dos “estudantes de maio de 1968”, a morte de um deles na Maria Antônia deflagrou o Ato Institucional (AI-5) que fechou o Congresso Nacional, gerando mais uma forte crise política, a dos Anos de Chumbo. Os cursos, como o de pós-graduação que eu cursava, foram transferidos para a ainda inacabada Cidade Universitária, em Pinheiros. Ou seja, nada de aulas e, para muitos, novamente o “passar por decreto”. Ah, sim, fecharam também o Bar Sem Nome, e os festivais.

Tempos de mudança. Um grupo de estudantes de pós-graduação aportou nas montanhas de Boulder, Colorado. Depois o grupo se dividiu entre várias universidades americanas. Fomos para Nashville, Tennessee, onde Crusius e eu nos casamos. Chamados para compor a equipe que criou o pós-graduação em Economia da UFRGS, viemos para Porto Alegre em 1970, nesta Poto Alegre onde plantei raízes, família, e uma riquíssima vivência. Nos primeiros 30 anos, profissionalmente como professora da UFRGS e comunicadora. Nos 30 anos seguintes, como política.

Assumi como Ministra nos tempos difíceis de hiperinflação. Durante a Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou em 1988 a nova Constituição, nasceu o partido PSDB fundado por líderes com ideias e formas de agir com as quais me identificava. Um de seus fundadores, Mário Covas, foi nosso candidato a presidente em 1989, a primeira eleição para presidente da minha geração. Sonhava-se participar livremente da construção de um mundo de paz pela via política. Participei do sonho, vivemos o sonho.

Vários planos econômicos baseados em congelamento de preços haviam fracassado da década dos 1980, a “década perdida”. Inflação, recessão, quebra de países endividados. Em 1990 o Plano Collor congelou os saldos das cadernetas de poupança, o instrumento de defesa dos que ganhavam menos contra a perda pela inflação.  Uma traição contra o povo. Mais uma crise econômica e política. Impeachment. O fato mundial mais relevante de então foi a queda do Muro de Berlim em 1989, dando fim à Guerra Fria e abrindo um mundo novo ansioso por paz, democracia e desenvolvimento. Nascia a União Europeia e o Euro.

A crise aberta pelo governo Collor me levou a decidir por mais uma mudança: era preciso “voltar às ruas”. Fazer política. Fiz. Filiada ao PSDB, participei como Ministra, governadora, deputada federal, candidata a prefeita. Foram 9 eleições como candidata, dirigente partidária, vivendo intensamente o cotidiano de um partido que comandou a transformação do país com o Real e suas reformas, seus líderes, participando com altivez dos desafios do novo mundo dos anos 1990. Como governadora liderei a transformação da realidade deficitária do Rio Grande,  com um período de estabilidade e desenvolvimento (2007/2010) para o estado.

Em janeiro de 2023, no verão tórrido de Porto Alegre, fui buscar n memória da minha filiação partidária. Em 2 de abril de 1990 tive minha filiação regularizada. Devo isso ao Deputado Federal Jorge Uequed, de saudosa memória, e por isso sou filiada pela sua Canoas. Valeu, Uequed.





Uma grande celebração de 30 anos para este 2024: a do Plano Real, conduzido por economistas da PUC do Rio, cidade do Rio Innovation Week (RIW), da qual vou participar. A RIW conta com presenças de conferencistas da minha geração, como Fritjof Capra (Tao da Física, de 1975, e O Ponto de Mutação, de 1982), que com seus 85 anos circula pelo mundo debatendo o Novo na Ciência. Marcelo Gleiser (A Simples Beleza do Inesperado, de 2016, e O Despertar do Universo Consciente, de 2024) será coordenador de um dos palcos durante a semana. Imperdível.

Agradeço as oportunidades que, na vida, me permitiram viver esses ciclos completos. Desde 1990 até hoje o mundo mudou muito. Hora de mudar também. Mais uma mudança, um novo desafio pelo qual me apaixone. Há imensos desafios santando à nossa frente, e uma infinidade de oportunidades para essa escolha. Vamos lá.

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